Multinacional norte-americana fundada em 2009 por TravisKalanick e Garret Camp, o Uber é uma prestadora de serviços eletrônicos na área de transporte privado urbano, baseada em tecnologia disruptiva em rede, através de um aplicativo e-hailing oferecendo serviço semelhante ao táxi tradicional, popularmente conhecido como carona remunerada. Em junho de 2014, 05 anos após sua fundação, a empresa foi avaliada em U$$ 18,2 bilhões, tendo investidores como Google e Goldman Sachs.
A proposta inicial do Uber era ser um serviço semelhante ao táxi de luxo em São Francisco (Califórnia). O aplicativo foi lançado em 2010 para Android e iPhone. Em 2010 e 2011, o Uber recebeu quase U$$ 50 milhões em investimentos de investidores-anjo e venture capitalists, e em 2012 expandiu os serviços para Londres. No mesmo ano, passou a oferecer táxi aéreo por helicóptero entre a cidade de Nova Iorque e Hamptons por U$$ 3 mil. Em 2015 recebeu uma nova rodada de investimentos, da qual a Microsoft fez parte, passando a um valor de mercado de U$$ 51 bilhões e chegando a U$$ 70 bilhões em maio de 2017.
Os motoristas Uber são remunerados diretamente pela empresa. O cálculo do preço de cada corrida combina a oferta de motoristas, a demanda de usuários e a duração e distância da corrida, o que permite uma alocação mais inteligente e econômica do transporte urbano. Atualmente, novas formas de mobilidade estão a ser estudadas, como o transporte sem motorista.
A primeira cidade a receber o Uber no Brasil foi o Rio de Janeiro, em maio de 2014, seguido por São Paulo, no final de junho do mesmo ano e Belo Horizonte em setembro. A partir de então a lista de cidades só cresceu estando em 2017 em quase todo o país. Em 2015 o aplicativo contava no Brasil com 5 mil profissionais credenciados e 50 mil em outubro de 2016.
Controvérsias
Por oferecer um serviço análogo ao táxi, mas operar a uma fração do custo de uma empresa com frota tradicional, o Uber despertou preocupação e críticas ao redor do mundo. É comum que o trabalho de taxista seja regulamentado por algum órgão do governo, com licenças que podem custar caro. No caso do Brasil, pelo número de licenças ser limitado e a demanda alta, existe um mercado informal de aluguel de licenças envolvendo muito dinheiro. Os sindicatos de taxistas alegam que a empresa estaria violando a legislação nacional que regulamenta a profissão e protestam de forma contrária. Com a chegada do aplicativo, locatários das placas cadastraram no Uber sem ter que pagar mensalidade.
O setor argumenta que o Uber age ilegalmente ao cobrar por corridas sem ter a licença apropriada. Em maio de 2011, a empresa recebeu uma notificação judicial do departamentode trânsito da cidade de São Francisco com a mesma acusação. Em 2012, um órgão do estado da Califórnia multou o Uber e outras empresas do ramo em 20 mil dólares cada. Episódios semelhantes ocorreram em vários locais nos Estados Unidos e ao redor do mundo à medida que a rede se expande.
Uma das polêmicas quanto à diferença entre Uber e táxis é que para ser um motorista do Uber, basta cadastrar-se seguindo uma lista de exigências de segurança. Estas exigências são questionadas nos Estados Unidos, já que acusados de assassinato, violação infantil e assalto conseguiram se cadastrar como motoristas do aplicativo. A empresa alega que faz a checagem de antecedentes dos últimos sete anos da vida do motorista.
O Negócio
Em maio de 2017, consolidado e funcionando em mais de 580 cidades no mundo, inclusive em quase todo o Brasil, o Uber começou a enfrentar diversos problemas, indo desde a aquisição de licenças necessárias para prestar serviços em determinados lugares até processos na justiça por roubo de propriedade intelectual, além do aumento da concorrência em serviços similares e das taxas cobradas, bem como a precarização das condições de trabalho para os motoristas. Some isso a graves déficits de receita em 2016 e temos uma fórmula bastante complicada. O Uber corre o risco de até falir caso perca algum dos processos astronômicos nos quais está envolvido ou se não conseguir lidar com os prejuízos sequenciais.
O ano de 2016 não foi totalmente ruim para o Uber, a empresa faturou cerca de U$$ 20 bilhões mundialmente, um valor extremamente alto, mas inferior aos custos. Apesar do crescimento da receita estar ultrapassando o dos gastos, houve uma perda líquida de nada menos que U$$ 2,8 bilhões. Descontado as taxas pagas aos motoristas, o que ficou para a empresa foi U$$ 6,8 bilhões, insuficiente para cobrir os pagamentos aos funcionários, investimentos em imóveis, estrutura e perdas operacionais como o U$$ 1 bilhão que foi por aguá abaixo na tentativa fracassada de entrar no mercado chinês. As perdas totais apenas do último trimestre de 2016 cresceram 6,1%, atingindo quase U$$ 1 bilhão.
O Uber recebe 25% da tarifa, insuficiente para fazer frente ao alto custo de operação, é visto como excessivo pelos motoristas, que ficam com os outros 75% . A alegação de que o dinheiro feito por meio do serviço é baixo é unânime. Alguns motoristas afirmam trabalhar muito mais do que 10 ou 12 horas diariamente, sem folgas em finais de semana e feriados. A situação piora bastante quando os motoristas locam um carro de terceiro para prestar o serviço . Isso faz com que além dos 25% da tarifa que vão para a companhia, o condutor tenha que pagar mais uma fatia ao dono do carro licenciado, reduzindo ainda mais o retorno.
Em 20 de junho de 2017 o presidente-executivo e cofundador TravisKalanick renunciou ao cargo, pouco mais de uma semana após anunciar seu afastamento temporário. A crise em várias frentes elevou a pressão dos investidores sobre a liderança executiva. Além das denúncias de roubo de propriedade intelectual, e reclamações de motoristas pelo baixo pagamento e direitos trabalhistas, há ainda denúncias de assédio sexual, fuga e demissão de executivos e uso de tecnologias para driblar autoridades.
Assédio e fuga de executivos
A saída de Kalanick agrava ainda mais a situação da empresa, que sofre com uma debandada de executivos e estão sem líderes para as áreas de marketing, operações, finanças e para sua divisão de corridas compartilhadas.
Antes de Kalanick se afastar, a mais recente defecção havia sido a de Emil Michael, vice-presidente sênior e próximo do ex-CEO. A saída dele ocorreu após o conselho se reunir para avaliar recomendações de uma investigação sobre assédio sexual e questões de governança corporativa conduzida pelo escritório de advocacia do ex-procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder.
Michael é acusado de ser responsável pela cultura agressiva e machista imposta na empresa e denunciada por funcionários. Ele está no centro do escândalo mais recente da Uber. Após um motorista da empresa em Nova Délhi, na Índia, estuprar uma mulher em 2014, um funcionário da Uber obteve um parecer médico da vítima e o entregou a Kalanick e a Michael. A finalidade, segundo a imprensa norte-americana, era desacreditar o relato da vítima. O estuprador foi condenado à prisão perpétua no ano seguinte.
Após a saída de Michael, a companhia informou a demissão de 20 funcionários, depois de 215 queixas na empresa sobre abuso sexual e discriminação. Só que Eric Alexander, o funcionário que coletou o atestado da mulher, não estava na lista. Ele só foi demitido após veículos da imprensa apontarem sua ausência entre os dispensados.
O diretor técnico do grupo, AmitSinghal, foi forçado a renunciar após ocultar a queixa por abuso sexual que lhe foi dirigida pela Google. Outro funcionário, Jeff Jones, deixou a empresa em março, seis meses depois de ter sido contratado, por discordar da estratégia do grupo.
Roubo de propriedade intelectual
Em fevereiro de 2017, a Waymo, filial da Alphabet (dona do Google) que desenvolve carros autônomos, acusou um dos ex-diretores da Uber, Anthony Levandowski, de ter roubado informação técnica. Levandowski trabalhava na Waymo, de onde saiu para fundar sua própria companhia, Otto, que foi posteriormente vendida à Uber. A Uber anunciou no fim de maio a demissão de Levandowski, acusando-o de não querer cooperar com a investigação que foi aberta como resultado desse litígio.
Tecnologia para driblar autoridades
A Uber também é questionada sobre o uso de programas de evasão de regulações e por táticas voltadas a desestabilizar seus rivais. Ainda neste âmbito legal, o governo dos Estados Unidos abriu uma investigação contra a empresa, suspeita de ter usado um software para ajudar seus motoristas a driblar as autoridades em áreas onde não podia atuar. A companhia enfrenta frequentemente problemas legais com seus motoristas (por falta de pagamento em Nova York; por processos trabalhistas no Brasil e nos EUA), com os táxis (na Argentina, na França, na Polônia, na Espanha, no Brasil entre outros países) e com as autoridades.
A Cultura e o Negócio
Para o professor e pesquisador de Harvard, especialista em economia de negócios online, Benjamin Edelman, nenhuma empresa foi tão polêmica nos últimos anos quanto o Uber. Para ele a única solução é acabar com a empresa pois sua cultura de ilegalidade é incorrigível. O Uber será para a indústria da mobilidade o que o Napster foi para a indústria da música: ele mostrou o que é possível fazer com a tecnologia, mas morreu em sua ilegalidade. O envolvimento recorrente da empresa em vários escândalos faz parte da cultura que se criou no Uber: do CEO ao funcionário mais baixo, a idéia é “pedir desculpa e não permissão”. E nem desculpa a empresa pede direito, na verdade… Para o professor, o modelo de negócios do Uber é baseado em ilegalidade, em quebrar a lei. “E tendo crescido através dessa ilegalidade intencional, a empresa não consegue pivotar e seguir as leis”, afirma.
O avanço que o Uber trouxe para o setor não é nada que o mercado não estivesse buscando. A grande vantagem do Uber foi colocar carros comuns para fazer o transporte das pessoas, o que barateou e muito a experiência – já que não precisa pagar seguro para passageiro (coisa que táxis são obrigados), registro comercial, placas especiais, verificação de antecedentes, inspeção veicular e o resto. Só que isso era ilegal em todos os países que o Uber opera.
E como um concorrente fazendo coisas ilegais tende a fazer com que todos os concorrentes copiem o setor, logo passou a fazer tudo isso. Inclusive, é interessante notar que o Uber nem foi o primeiro a fazer isso: foi o Lyft, no final de 2012. E TravisKalanick foi extremamente contra isso, já que até aquele momento o Uber só oferecia carros pretos licenciados para isso nos mercados que operava. Ele chegou a chamar a iniciativa do Lyft de “agressiva”, “pirata” e que todos os motoristas eram “criminosos”. Logo depois, fez o mesmo.
Para Benjamin, a degradação moral do Uber piorou ali. Ao invés de entrar na justiça, a empresa fez o mesmo que o rival e ainda aumentou o problema. E o fato de que a maior empresa de transporte por aplicativos estava interessada em fazer isso acabou fazendo que todas as outras também adotassem, como é o caso de Easy e 99 no Brasil.
A companhia começou a usar seus poderes para defender sua ilegalidade, contratando pessoas, criando procedimentos e sistemas de software para permitir que isso continuasse e fazer lobby para legalizar. Além disso, havia um grande esforço para pintar o Uber como a grande inovação do século e que seus críticos eram pessoas presas no passado. O professor destaca que isso era uma prática de todos os advogados e do departamento de marketing da empresa.
Ilegal desde o começo, a startup se esforçava para que isso se tornasse o normal logo depois. Mas alguns funcionários pagavam o preço, como os dois executivos presos na Europa, por exemplo, por operar sem licença. Os motoristas também sofreram represálias dos taxistas em diversas partes do mundo.
Até a chefe do setor jurídico, Salle Yoo, estava envolvida em buscar métodos de perpetuar a ilegalidade, ajudando a criar um software que escondia dos investigadores do governo os carros. Isso caracterizava o quanto a cultura da empresa já estava contaminada pela intenção de não seguir leis.
O professor de Harvard acredita que assim como o Napster mudou a indústria da música, facilitando o surgimento do iTunes, Pandora e até do Spotify, o Uber também terá seus efeitos positivos, mudando leis e mostrando o que é possível com a tecnologia. Entretanto, estando a cultura da empresa contaminada pela falta de interesse em seguir leis e cometer crimes como forma de manter a empresa funcionando, é outra empresa, legal desde o começo, que deverá se beneficiar disso.
andre luiz klein KLEIN
Ótima reportagem